Você já ouviu falar de Jogos de Guerra? Provavelmente, você já viu a cena em algum filme, com os militares ao redor de uma mesa, com o mapa da região de conflito, com algumas estatuetas simbolizando os exércitos envolvidos, e alguns comandantes movendo essas estatuetas pelo cenário especulando qual seria a melhor estratégia para vencer o inimigo.
No século XIX, o exército prussiano desenvolveu um jogo para ensinar táticas de batalha aos seus oficiais, o “Kriegsspiel” (Jogo de Guerra) com atributos de mobilidade e combate sendo dados para as tropas, e os jogadores mobilizando essas tropas por mapas que recriavam confrontos históricos. Uma fascinante e complexa mistura de jogo com análise estratégica de confrontos militares, entendendo os erros e acertos de comandantes envolvidos naquelas situações.
Em 1973, Durante uma partida desses jogos de guerra no clube de jogos de Gary Gygax, Dave Arneson teve uma ideia: “E se um desses soldados da tropa invasora conseguisse entrar sozinho, por uma passagem secreta do castelo, enfrentando monstros no calabouço, e conseguisse abrir os portões para facilitar o ataque ao castelo?”. No dia seguinte, Gary e Dave apresentaram a primeira versão das regras do “Dungeons&Dragons” para os jogadores testarem.
Não, não foi tão simples assim. Desconsidere esse último parágrafo. Você continua com curiosidade e paciência? Então vamos recuar mais um século para falar de outro sujeito: o Tenente Totten.
Em 1880, o escritor, professor de Ciências e Táticas Militares e 1º Tenente do Exército Charles Adiel Lewis Totten (E.U.A., 1851 – 1908) publicou “Strategos”, um livro de regras de jogos de guerra.
Baseado no “Kriegsspiel”, o “Strategos” trazia um modo avançado que deixava um dos participantes como juiz. O juiz se reunia em separado com as duas equipes, e anotava a posição de cada uma das tropas a cada ação realizada pelas equipes. Quando ocorria um confronto, as tropas envolvidas eram posicionadas no mapa, e dados eram rolados e comparados com os atributos das tropas para definir o resultado do combate.
Ainda falta quase um século para o “Dungeons&Dragons”, considerado o primeiro jogo de RPG moderno, ser criado.
Infelizmente, o “Strategos” caiu em desuso, mas foi resgatado em 1967, por David Wesely (E.U.A., 1945).
Com mestrado em Física, David se aposentou como major no exército estadunidense em 1990; desde 1967, ele atuou como gamedesigner analógico (“Strategos N”, “Bombers and BattleShips”, “Source of the Nile”) e a partir de 1980 ele foi desenvolvedor de videogames (“RAF: The Battle of Britain”, “Zaxxon”).
“Strategos N” ambientava o jogo de guerra na era Napoleônica, e foi a base para um jogo que poderia ser considerado o primeiro RPG.
Mas antes de falar desse jogo de RPG que não foi considerado o primeiro jogo de RPG, precisamos conhecer outro jogo.
“Diplomacy” é um jogo criado por Allan Brian Calhamer (E.U.A., 1931 – 2013), ambientado na Europa pré 1ª Guerra Mundial.
Foi publicado pelo próprio autor em 1959, e fez sucesso por ser uma espécie de War sem dados.
Entre as rodadas, os jogadores negociam apoios e ataques, e os avanços e derrotas das nações dependem apenas dessas negociações.
Voltando para 1967, David Wesely tentava desenvolver um novo estilo de jogo de guerra, utilizando conceitos do jogo “Diplomacy”
Pegando as regras básicas do “Strategos N”, David ambientou o jogo em uma fictícia cidade alemã chamada Braunstein, que estaria na linha de interesse do exército de Napoleão. O próprio David atuou como juiz desta primeira partida, que dividiu 22 jogadores em 2 equipes.
O grande diferencial é que muitos não jogavam no controle de tropas, estes jogadores representavam figuras individuais, como batedor, banqueiro ou prefeito; alguns com objetivos individuais.
O juiz ouvia em separado cada um desses jogadores, rolava os dados para decidir o sucesso dessas ações, e descrevia no mapa do jogo as ações que eram visíveis para todos os jogadores.
É nesse ponto que entra a essência do RPG.
Role-Playing Game, traduzido por jogo de interpretação de personagem. Cada jogador atua como um personagem em uma história, decidindo quais são as ações que esse personagem deve realizar, utilizando os pontos fortes do personagem para, estrategicamente, atingir seus objetivos. Tudo isso, com a mediação de um mestre-de-jogo.
“Braunstein” fez isso em 1967, vários jogadores interpretando seus personagens, com um juiz comparando os feitos de todos os personagens e utilizando regras de jogo para definir sucessos ou fracassos, mas David não gostou do resultado; ele achou a experiência muito caótica, impossível de se tornar um produto comercial.
Os jogadores, por outro lado, adoraram a experiência, e cobraram de David a realização de novos “Braunsteins” em eventos.
Mesmo com novos cenários, essa experiência lúdica sempre era chamada de “Braunstein”.
Em 1960, Dave Lance Arneson (E.U.A., 1947 – 2009) se uniu a outros jogadores para criar jogos ou jogar os jogos existentes de novas maneiras. A preferência dele eram os jogos de batalhas navais (não estamos falando daquele jogo “Batalha Naval” em que você fala coordenadas cartesianas tentando acertar a frota inimiga. Estamos falando de Jogos de Batalhas Navais com mapas, regras para movimentação, e barcos com atributos de combate, como danos dos canhões e resistência do casco).
Ele participou da primeira partida de “Braunstein” e ficou tão fascinado com a experiência que passou a criar regras junto com David Wesely, foi juiz em algumas partidas e passou a desenvolver seus próprios cenários de jogo, baseado em “O Senhor dos Anéis” (clássico da literatura de fantasia medieval, escrito por John Ronald Reuel Tolkien em 1948) e “Dark Shadows” (uma série televisiva de fantasia sobrenatural, exibida de 1967 a 1971).
Falta falar de só mais uma pessoa antes de chegarmos no mais famoso jogo de RPG de todos os tempos
Gary Gygax (E.U.A., 1938 – 2008) era um entusiasta destes jogos derivados de jogos de guerra. Além de participar de vários clubes de jogos, ele realizou a primeira Gen Con, em 1968, sendo que a Gen Con Zero havia ocorrido em 1967, com 20 pessoas, no porão da casa dele.
No 2º Gen Con, em 1969, ele conheceu Dave Arneson, e o interesse de ambos em jogos de barcos gerou o rascunho das regras do “Don’t Give Up the Ship”, que só seria publicado dois anos depois.
Em 1971, trabalhando como sapateiro depois de ser demitido de uma seguradora, Gary arriscava suas economias para iniciar uma carreira de gamedesigner, com os jogos de guerra “Alexander the Great” e “Dunkirk: The Battle of France”.
O grupo de jogadores do qual Gary fazia parte (Lake Geneva Tactical Studies Association) comprou um lote de miniaturas de guerreiros medievais, e com Jeff Perren (E.U.A, 1947), o proprietário de uma loja de jogos, eles criaram regras de combate individuais para aquelas miniaturas, e as publicaram em um fanzine, sob o nome de “Chainmail”.
Ainda em 1971, a Guidon Games contratou Gary e Jeff para produzir jogos de guerra com miniaturas. Eles pegaram as regras que já tinham criado e acrescentaram elementos de fantasia medieval, como magos, monstros e raças criadas em obras literárias, tendo J. R. R. Tolkien como uma das principais fontes.
Enquanto isso, desenvolvendo as regras de “Braunstein”, Dave Arneson desenvolveu seu próprio cenário de fantasia medieval: “Blackmoor”.
Ele se baseou nas regras do “Chainmal” para desenvolver o combate individual dos personagens, mas, insatisfeito com alguns detalhes, ele implementou modificações que deixaram o jogo perto do que seria o futuro “Dungeons&Dragons”
Nesse momento, as regras de combate passaram a tratar cada personagem individualmente, e não como parte de uma tropa. Antes, cada soldado representava os pontos de vida de uma tropa, a partir dessas regras, cada personagem teve seus próprios pontos de vida.
Os jogadores ainda agem como um grupo, de maneira cooperativa, mas cada um é o responsável pelas ações do seu personagem.
Em 1972, Gary e Dave voltaram a se encontrar, e eles jogaram uma partida de “Blackmoor”, conduzida por Dave. Gary ficou tão fascinado com o jogo que adotou as regras para também criar um cenário: “Greyhawk”.
Os dois continuaram em contato por telefone e por cartas para desenvolver essas regras, e em 1974, foi publicado o “Dungeons&Dragons”.
Naquele momento, eles nem pensavam no termo RPG; estavam apenas publicando uma inovação no conceito de jogos de guerra. Com o tempo, aquele estilo de jogo passou a ser chamado de RPG, e serviu de inspiração para vários outros gamedesigners, que avançaram para outros cenários, além dos de fantasia medieval.
Em 1980, o termo RPG já era utilizado para definir este estilo de jogo, com a publicação de vários jogos, dos mais variados cenários, do medieval fantástico à ficção científica.
Neste ano, surge um novo conceito de RPG. Greg Stafford (E.U.A., 1948 – 2018) e Lynn Willis ( ? – 2013 ) criam o “Basic Role-Playing”, um sistema de regras para jogar RPG independente do cenário.
Até então, as regras eram feitas para funcionar dentro de um cenário específico. Uma espada não tinha regras específicas de combate em um cenário espacial, e uma arma laser não tinha como ser simulada em um cenário medieval.
Um sistema de regras genérico precisa deixar compatíveis todas as possibilidades de cenários em suas regras. Ele não gera as mesmas possibilidades estratégicas de um sistema de regras feito para um cenário específico, porém, permite que mestres-de-jogo possam criar seus cenários sem se preocupar com o desenvolvimento das regras.
Com um sistema genérico de RPG funcionando como base, jogadores podem circular pelos mais variados universos ficcionais sem precisar aprender novas regras a cada sessão de jogo.
Em 1991, faz sucesso uma nova proposta de RPG: “Vampiro, A Máscara” (Mark Rein-Hagen, E.U.A., 1964), com o sistema de regras “Storyteller”.
O cenário era focado no drama de vampiros, e as regras privilegiavam o aspecto psicológico dos personagens, com as tramas sendo resolvidas pela política, pois o combate contava com regras subjetivas, deixando nas mãos do narrador (o mestre-de-jogo no Storyteller) a interpretação das rolagens de dados.
Esse estilo de RPG narrativo convida os jogadores a dedicarem mais tempo nas personalidades de seus personagens, pois a diplomacia passa a valer mais do que o poder de fogo para o sucesso da aventura.
Nessas duas décadas de desenvolvimento do RPG, pegamos 4 conceitos que podem resumir o que é esse jogo:
- Um jogador deve funcionar como mestre-de-jogo. É ele que conta a história e utiliza os conceitos do cenário e das regras para decidir o sucesso ou fracasso das ações dos personagens.
- Cada um dos demais jogadores interpreta um personagem, com características únicas, e eles devem decidir qual a melhor ação a ser tomada com base nos pontos fortes e fracos destes personagens.
- As regras de RPG precisam simular as mais variadas situações encontradas pelos personagens em um cenário, para que as táticas utilizadas pelos jogadores façam sentido com aquela realidade.
- O personagem deve ser considerado como um ser com vida própria, independente de quem seja o seu jogador. Dentro do jogo, para sentir uma maior imersão na história, o jogador deve pensar como seu personagem.
Em 2004, nós lançamos o sistema de regras utilizados neste cenário: o “OPERA RPG”. Mesmo com todas as opções de RPGs que já existiam nessa época, nós acreditamos que o OPERA oferece opções que não coexistem em outros sistemas de regras.
Nós começamos o desenvolvimento do OPERA por estarmos insatisfeitos com os sistemas de regras existentes; passamos 10 anos experimentando, desenvolvendo e testando nossas regras, até ficarmos satisfeitos com o resultado.
Os diferenciais do OPERA RPG são:
- Regras simples, com dois tipos de testes resolvendo a maioria das situações de jogo.
- Conceito de regras modulares; você utiliza apenas as regras que serão úteis para o seu cenário de jogo.
- Instruções para que os mestres-de-jogos possam montar suas próprias regras e cenários com Armas e Armaduras, Novas Raças, Mutações, Super Poderes, Artes Marciais, Magia, Poderes Psíquicos, Tecnologia e Nível de Realismo.
- Regras para a caracterização psíquica dos personagens, que fazem com que o jogador crie personagens com diferentes personalidades e jogue de acordo com essas particularidades.
Com o OPERA, incentivamos os jogadores a buscarem realidades alternativas a serem exploradas, e não apenas um mapa cheio de monstros que os personagens devem matar para subir de nível.
Chamamos o mestre-de-jogo de “Observador”, pois a função dele é observar os eventos que ocorrem nessa realidade alternativa construída com RPG e Imaginação, e utilizar as regras e sua habilidade de contar histórias para que os jogadores também consigam enxergar esse mundo paralelo junto com ele.
Legal não sabia dessa parte de antes do D&D, do elo perdido entre ele e os jogos de guerra.