Apesar de ter se tornado “febre mundial” no princípio da década de 90, a história do RPG remonta dos anos 60.
Após criarem a International Federation of Wargamers em 1966, e publicarem diversos livros de ‘cenários de batalha medievais’ nos anos seguintes, Gary Gygax e Dave Anerson, dois americanos inveterados por wargames (jogos de estratégia, como o WAR™, produzido no Brasil pela GROW®), criam em 1971 a primeira versão de um RPG, entitulado “The Fantasy Game”. Entretanto, este jogo demoraria 3 anos para ser publicado, após a dupla se juntar a Don Kaye e Brian Blume para formar a Tactical Studies Rules e conseguindo, assim, o financiamento necessário para o seu lançamento. Eis que surge, em 1974, com o nome de Dungeons & Dragons™, o primeiro jogo de RPG.
Baseado no ambiente descrito nas narrativas da “Terra Média” do escritor inglês do período vitoriano J.R.R. Tolkien em várias de suas obras (com destaque para a trilogia “O Senhor dos Anéis”), Dungeouns & Dragons (ou simplesmente D&D), atravessou duas décadas conquistando legiões de adeptos. Seu sucesso logo no lançamento foi tanto que, em um ano, seus autores inauguram uma nova companhia, a TSR® Hobbies, Inc., que até hoje detem o maior acervo e lucratividade do mercado de RPG’s. Em 1994, a TSR cancelou os suplementos de D&D e investiu no Advenced Dungeouns & Dragons (ou AD&D), o irmão mais velho do D&D, que surgiu em 1980, com regras mais elaboradas e um um número muito maior de suplementos.
Ainda em 1975, surgem outras publicações de RPG, produzidas pela TSR: Tunnels&Trolls , um livro de aventura-solo, no ambiente fantasia-medieval do D&D, Empire of the Petal Throne, escrito por M.A.R. Baker, um inovador cenário alienígena de RPG, com ambientação totalmente original e uma nova gama de raças e magias a serem exploradas por seus jogadores; Em Guarde é um divertido jogo de “capa e espada”, como os filmes de Erol Flinn, baseado na Europa dos séculos XVI e XVII ,e Boot Hill um jogo de faroeste americano.
Nos anos seguintes, a TSR mantém seu monopólio dos RPG, lançando dois jogos de ficção-científica: Metamorphosis Alpha e Traveller . O primeiro era uma adaptação mal-sucedida de D&D para batalhas espaciais, enquanto o segundo obteve sucesso com suas novas regras, como viagens interestrelares, comércio intergalático, combate entre naves, dentre outras. A TSR também lança, em 1976 sua primeira revista especializada em RPG e ficção-científica, a Dragon Magazine®, que circula mundialmente até hoje, e organiza as primeiras convenções e encontros de RPG, como a Gen Con® Game Fair.
No final da década de 70, surgem os primeiros RPG’s publicados por outras editoras. São eles: Fantasy Trip, da americana Megagaming®, escrito por Steve Jackson em 1977, um cenário de fantasia-medieval, com pretensões de se tornar sistema genérico de regras; e Rolemaster, escrito em 1979, que se destacaria mundialmente por ser o primeiro RPG com regras realísticas de simulação de combate (o seu livro de regras trazia, por exemplo, as 99 formas possíveis de se golpear um alvo com um machado duplo…).
Na década de 80, o RPG foi reconhecido como um ramo de entreterimento (filmes, desenhos animados como o “Caverna do Dragão”, histórias em quadrinhos e diversas revistas especializadas enfocavam o tema RPG), a TSR ultrapassara a marca de 20 milhões de exemplares de seus jogos vendidos pelo mundo afora, e ocorreu uma infinidade de lançamentos.
Em 1981, foi lançado o primeiro RPG de super-heróis, o Champions, que tinha regras bem elaboradas, que possibilitam a montagem de qualquer super, porisso seu sistema deu origem em 84 ao Hero System, o primeiro sistema genérico de regras. Por volta de 1984, foi lançado o Middle-Earth Role Playing ou MERP, que fielmente adaptou o cenário da “Terra Média” de J.R.R. Tolkien (seu sistema de regras era uma simplificação do Rolemaster).
Em 1985, surgiram dois RPG’s realmente inovadores: Call of Cthulhu, o primeiro RPG com um cenário de terror, baseado nas incríveis obras de H.P. Lovecraft ( até hoje, muitos consideram-no o melhor RPG de terror de todos os tempos) e Amber, o único RPG sem regras, no qual ao Mestre cabiam todas decisões.
Três anos após, em 1988, é lançado o General Universal Role Playing System, o GURPS, segundo sistema genérico de RPG, contudo, o primeiro a investir neste marketing, e porisso o mais bem sucedido (ele só perde em prestígio para os jogos da TSR…). Vários suplementos seguiram-no, com os mais variados temas ( destacando-se Supers, Cyberpunk, Conan®, Illuminati, dentre outros).
Foi ainda nesta década que o RPG foi realmente introduzido no Brasil, através das livrarias que importavam livros, como a DEVIR e a Forbiden Planet ( contudo, como estes livros eram caros, cada exemplar era reproduzido diversas vezes por máquinas de xerox, o que levou essa geração de jogadores brasileiros a ser conhecida como a “Geração Xerox”).
Na última década do milênio, o RPG explode como “Febre Mundial”, intensificando cada vez mais seu mercado editorial, e graças a esta repercussão, lançam-se no Brasil as primeiras edições nacionais de RPG’s importados, traduzidos para o português, e surgem os primeiros jogos genuinamente ‘tupiniquins’… O GURPS, da editora americana Steve Jackson Games, é o primeiro RPG a ser traduzido, ainda em 1991, pela livraria e editora DEVIR, em São Paulo.
No final daquele ano, a editora carioca GSA lança o primeiro RPG nacional, o Tagmar, de cenário fantasia-medieval.
A GSA intensifica seu esforço e publica, no ano seguinte, o RPG Desafio dos Bandeirantes, que, tendo como cenário o Brasil Colônia do século XVI e uma pesada pesquisa de nosso folclore e crenças populares ( para explicar a magia e as criaturas sobrenaturais), logo se destacou no mercado editorial nacional.
A editora paulistana Trama, que em 94 lançara a versão brasileira da Dragon® Magazine, depois rebatizada de RPG DragãoBrasil, cria e distribui seu primeiro RPG, Defensores de Tóquio, um sistema cômico de representação dos antigos seriados e animações japonesas, veiculado em formato revista, o que barateou e popularizou-o mais rapidamente.
Nos três anos seguintes, mais RPG’s nacionais são lançados: Millenia, ‘canto do cisne’ da editora GSA, publicado em 1995, é o primeiro RPG nacional de ficção-científica, contendo bom acabamento gráfico e cenário convincente; Arkanum, Invasão e Trevas, publicados pela editora Trama tem 1995, 1996 e 1997, respectivamente.
Em Arkanum, a editora apostou no gênero terror-medieval, e se tornou o best-seller dos RPG’s nacionais; já Invasão é um RPG de ficção-científica inspirado na série Cult televisiva “Arquivo X” abordando invasões e abduções alienígenas; finalmente Trevas é um RPG de terror-contemporâneo.
Ainda em 1997, a editora Akritó, lança-se no mercado de RPG’s com seu título Era do Caos, uma ambientação cyberpunk-mística situada no território brasileiro (somente Era do Caos e Desafio dos Bandeirantes exploravam como cenário o Brasil…).
São traduzidos para o português, e publicados no Brasil, outros RPG’s internacionais de sucesso: Vampiro – A Máscara, RPG de terror-punk-gótico da canadense White-Wolf, em 1994, Paranóia e Toon, RPG’s satíricos, de ficção-científica e desenho animado americano, respectivamente, da americana Steve Jackson Games, em 1995, e Cyberpunk 2.0.2.0., clássico do RPG futurista-cyberpunk, da americana R. Talsorian Games, em 1996, sendo todos editados nacionalmente pela DEVIR; a editora carioca Ediouro e a paulistana Abril , traduzem e lançam Shadowrun e Advanced Dungeons& Dragons, respectivamente.
Ambas prepararam uma campanha ambiciosa de vendas, aproveitando-se do auge da “febre rpgistica” de 1994-96, mas o RPG cyberpunk-místico Shadowrun, e o clássico fantasia-medieval AD&D conseguiram lucros bem aquém do esperado, o que determinou a saida de ambas do mercado editorial de RPG’s….
Na década de 90 os RPG’s tornam-se multimídia, aproveitando-se da disseminação dos microcomputadores pessoais (PC’s e MAC’s) e consoles de video-game (SuperNES, Genesis,
Playstation, etc…), e explorando a interatividade através dos meios digitais (jogos via internet). Muitos sistemas de RPG, como AD&D, Vampiro e GURPS, lançam seus livros de regras em CD-ROM, para facilitar sua consulta, e conquistar novos adeptos entre os aficcionados em computadores.
Contudo, foram os RPG’s de computador e adaptações de RPG’s para video-game e arcade(como ShadowRun e AD&D) que obtiveram mais lucro, como as séries de RPG eletrônico Ultima, da Virgin™Software ( disponível para PC’s, Mac’s, SuperNES e Playstation ), Final Fantasy, da japonesa SquareSoft™ (somente SuperNES e Playstation) a qual produziu uma animação totalmente digital, de alta-fidelidade, de longametragem baseada neste RPG em 2001.
Porém, houve uma sensível decadência no mercado editorial mundial de RPG, conhecida como a “Crise do Card-Game”, que durou de 1996 à 1999, e que levou várias pequenas editoras à falência (como a GSA brasileira), deixou quase todas mega-editoras (como a TSR e a White-Wolf), em concordata, e culminou, em 1997, com a compra da TSR pela Wizards of the Coast, uma lucrativa empresa de card-games, que se transformou de “empresa de fundo-de-quintal” à “Mega-Editora” em modestos 7 anos.
Esta crise foi causada pela disseminação mundial da “Mania dos Card-Games”, jogos de cartas colecionáveis, com edições limitadas e acabamento de luxo ( conhecidos com cards nos EUA ), baseados em cenários típicos de RPG, como fantasia-medieval, como é o caso do mais célebre deles – MAGIC: the Gathering, no qual cada um dos jogadores ‘representa’ um mago poderosíssimo, e cada carta é uma magia utilizada contra o oponente, funcionando mais como um jogo de estratégia (como os antecessores do RPG) do que como jogo de cartas ou mesmo RPG (do qual eles só se baseiam nos personagem e ambientação…).
Devido ao alto preço das cartas ‘raras’ de tiragem limitada, e a grande repetição das convecionais (vendidas em booster packs, saquinhos metálicos com 25 cards cada, ou ‘caixinhas’ de 100 cards), os jogadores de RPG que foram ‘seduzidos’ pela mania, adolescentes na sua totalidade, passavam a gastar toda a mesada com os cards, e dispensar seu tempo trocando cartas repetidas com colegas e ‘montando baralho’, deixando de lado o RPG convencional.
Como toda ‘mania’ tem curta duração, os card-games foram perdendo espaço (pois acabaram tornando-se caros e dispendiosos demais para os adolescentes se divertirem), e lentamente a industria editorial do RPG se reaquece, com vários re-lançamentos de sistemas antigos revisados (como o Vampiro: A Máscara 3ª Edição, AD&D 3º Edição e Shadowrun 3ª Edição), e novos sistemas publicados pelas Mega-Editoras ( como Castelo Falkenstein, RPG fantasia-vitoriano da R.Talsorian Games, Alternity, RPG de ficção-científica avançadado da TSR-Wizards of the Coast), e assim, abrindo espaço para que novas iniciativas do RPG nacional vigorem, como é o caso do OPERA.
O setor comercial de entretenimento é o que mais cresce entre os meios de consumo dos supérfluos desde a década de 70, e neste nicho de mercado que se situa a industria cultural do RPG. Com um grupo editorial bilionário, e imensa diversificação de produtos, desde os próprios livros e CD-ROM’s de jogos de RPG até quinquilharia de fã (conhecida com “Cult Junk”, como camisetas, miniaturas, chaveiros e posteres colecionáveis ), esta industria possui muitos eventos agregados, como encontros e convenções internacionais com milhares de jogadores, revistas e programas de TV especializados, até desenhos animados e séries de TV inspirados nos personagens e na ambientação dos Sistemas de RPG mais famosos.
Sua lucratividade é tanta que a HASBRO Inc., a maior industria de brinquedos do mundo,
comprou em setembro de 1999 a Wizards of the Coast ( que por sua vez havia comprado a editora de RPG TSR Inc. em 1997 ), num contrato bilionário que agregou o maior clássico do RPG, o Advanced Dungeons & Dragons, aos brinquedos de super-heróis e jogos interativos. Destacam-se entre as “Mega-Editoras”: a TSR-Wizards of the Coast Inc., maior e multi-bilionária americana, a mais antiga do ramo, a canadense White-Wolf Inc., mais nova mas que ganhou rapidamente seu espaço graças aos seus RPG’s de terror-ação, e as também americanas Steve Jackson Games Inc. e a R.Talsorian Games Inc., detentoras dos direitos autorais dos clássicos, e de todos os seus suplementos, GURPS e Cyberpunk 2.0.2.0., respectivamente.
Anualmente vende-se milhões de exemplares de livros de RPG, sejam Módulos Básicos ou suplementos, sendo que mais de 1000 títulos já foram registrados, e eles já são utilizados por várias entidades educacionais por estimular raciocínio lógico, criatividade e espírito de equipe, e até astronautas em longas missões orbitais jogam RPG para espantar o tédio e manter o companheirismo (pois o RPG é um jogo de interação, e não-competitivo, o que traz coesão para os mais diversos grupos).
Jogos como o AD&D já foram traduzidos para 9 idiomas e vendido em mais de 52 paises, e baseados nos RPG’s foram feitos seriados de TV ( como o Kindred: The Masquerade, exibido no Brasil em 1998 pelo canal de TV a cabo Tele-Uno, baseado no Vampiro: A Máscara, RPG de terror-ação da editora canadense White-Wolf), séries de animação (como Dungeons & Dragons, ou Caverna do Dragão, exibido pela TV Globo desde a década de 80, e Record of Lodoss War, série japonesa de animação em 16 episódios ), revistas de histórias em quadrinhos ( como MechWarrior, da Marvel-Epic, baseado no RPG-jogo de estratégia de tabuleiro da falida FASA, e Wild Cards, quadrinho alternativo americano que serviu de inspiração para o suplemento GURPS – Supers), e muitos filmes (como o brasileiro “No Coração dos Deuses”, com António Fagundes, baseado no RPG nacional Desafio dos Bandeirantes; ou as mega-produções que estrearam em 2001,como a trilogia do “Senhor dos Anéis”, e o filme do Dungeons & Dragons), além de diversos títulos de video-games e CD-ROM’s.
Apesar da crise que o seu setor editorial sofreu entre 1996 à 1999, devido à “Febre dos Card-Games”, sua industria cultural nunca deixou de crescer, agora recebendo novo fôlego com a virada de milênio, com o lançamento de novos títulos, re-edição de clássicos modernizados, e de ampliação das possibilidades de jogos ( jogos via internet, jogos em rede, etc…).
Como um típico fenômeno pós-moderno, o RPG se agrega muito bem ao também pós-moderno conceito da Globalização. Sua premissa de interação entre pessoas (além do espírito de equipe, metas e objetivos ), se assemelha muito com a da Internet, principalmente na união e aproximação de pessoas distantes mas com interesses em comum, o que acontece nos encontros e convenções regionais e internacionais de RPG, como o Gen Con Game Fair e Origin, americanos, ou no Encontro Internacional de RPG de São Paulo, promovido pelas grandes livrarias e editoras de RPG da capital paulista, nos quais milhares de jogadores/leitores de RPG e outros tipos de fãs se reúnem para adquirir novos jogos, pechinchas em sebos e Leilões de livros, divulgar seus sistemas, associações de jogadores, participar de monstruosos Live Actions (RPG’s jogados ao ‘ar livre’ ou dentro de casas e galpões, desde que sejam espaçosos o suficiente para conter todos os participantes, e que se assemelham muito com teatro de improviso, pois o jogador deve realmente interpretar seu personagem, fantasiando-se e recitando como tal… ) e jogar seus jogos prediletos com parceiros do mundo todo.
Além dos encontros e convenções, os jogadores distantes, fisicamente, se aproximam através da Internet, utilizando-se de websites de chat , grupos de discussão via e-mail, programas de chat em tempo real, como ICQ e MIRQ, e os inusitados play-by-mail, antes jogados através do correio convencional (o que limitava muito o estilo de jogo, devido a lentidão dos correios dos paises), e agora acessados quase instantâneamente via e-mail.
Os jogadores assim jogam, trocam informações referentes aos sistemas de RPG e suas ambientações, tiram dúvidas, promovem encontros e distribuem cópias (algumas não-autorizadas…) de livros via rede de computadores.
Além da globalização, o RPG também está estreitamente envolvido com o conceito de Holística, pois seus criadores, editores, ilustradores, e principalmente os mestres-de-jogo e jogadores tem que lidar, manipular, processar e pesquisar informações e dados estatísticos dos mais variados temas, assuntos, especializações (desde psicologia e interpretação, até conhecimentos militares e científicos avançados) e origens. Principalmente os que se utilizam de sistemas de RPG genéricos, pois estes trazem informações de várias épocas, civilizações, comunidades, e eventos ocorridos e imaginados.
Eles não devem conter preconceitos, estereótipos, nem censura, pois toda informação é preciosa, e possui múltipla interpretação.
Enfim, o RPG é uma das poucas linguagens universais e atemporais que podem unir os mais diversos povos, pois trabalha não só com as aspirações e sentimentos conscientes e inconscientes de cada indivíduo, mas também com os arquétipos do Inconsciente Coletivo, que nos unem intrinsecamente e nos faz humanos.